victor hugo pontes nunca tinha visitado áfrica. até ao momento em que aceitou este desafio lançado pelos estúdios victor córdon e do camões - centro cultural português em maputo para cruzar bailarinos moçambicanos e europeus. o choque cultural foi grande. mas a vontade de criar e cruzar culturas foi ainda maior.

em palco, juntou sete bailarinos: três moçambicanos e quatro europeus - que, por um acaso, são todos portugueses. e a inspiração, explicou victor hugo pontes, "vem mesmo desta ideia de cruzamento entre linguagens, deste encontro entre os povos europeus e a cultura africana".
bantu, palavra que dá título à peça, é o nome de uma linguagem própria que sobreviveu à imposição das línguas europeias. é, nas palavras do criador artístico, "mais que uma ocorrência linguística. é comunidade e sentido de partilha". e o objetivo passou precisamente por "quase criar uma nova língua formada pelos diferentes inputs dos intérpretes". até porque sempre trabalhou assim, com inputs dos intérpretes - e nesta peça são imensas as provas disso: desde a infância dos bailarinos ou a jogos que faziam.
quem vê "bantu" vê um claro encontro de diferentes linguagens e de diferentes danças, também. em áfrica, contrariamente ao que se passa na europa, há mais bailarinos homens, e aquilo que mais dançam são danças tradicionais. a dança contemporânea não é muito desenvolvida e, também por isso, acredita victor hugo pontes, "este cruzamento é muito importante" - e que bonita fica, por exemplo, exatamente a mesma frase, em ballet clássico e em danças tradicionais africanas -.
não é apenas dança - alguma vez um espetáculo de dança é apenas dança? -. são figuras, são máscaras, são quadros que se criam, num piscar de olhos, à nossa frente. é a história a escrever-se, são corpos que são diversidade e comunidade. são imagens de guerra e de escravatura, de choque. mas a união vence sempre.
nasce uma esperança com este espetáculo. nasce a expectativa da construção de um nova linguagem comum "ou esta utopia de que todos podemos habitar o mesmo universo e partilhar a mesma língua".
e, também por isso, foi um privilégio para o vimaranense victor hugo pontes "poder apresentar este espetáculo específico, que fala deste encontro entre portugueses e moçambicanos, no teatro são carlos". para si, ter moçambique em cima do palco do são carlos "foi muito significativo num ano em que comemoramos 50 anos do 25 de abril".
"é importante lembrar isso e não nos esquecermos. não é um apagar da história, é tentarmos construir uma nova história. acho que essa nova história é possível de ser construída. não é reparar o que foi feito. porque o que foi feito foi feito, não nos podemos esquecer, mas temos que ter um futuro. e acho que esta peça pensa mais no que é que pode ser o futuro em conjunto."
"bantu" já foi, também, apresentado em maputo e, ainda que não houvesse alterações físicas na peça, joão costa, um dos bailarinos, acredita que lhe foi acrescentada uma nova camada. "a peça ganhou outra dimensão porque experienciamos de onde vinha tudo aquilo", contou.
no final do espetáculo no guidance, em guimarães, coreógrafo e bailarinos estiveram à conversa com o público. na necessidade de uma explicação para aquilo que viu, uma espectadora acabou por fazer algumas perguntas que levaram victor hugo pontes a confessar que há coisas que vai descobrindo à medida que a peça é apresentada e só depois é que lhes dá significados.
o processo criativo de "bantu" passou, aliás, por guimarães, com várias horas de improviso, ensaio, criação. e foi até aí que surgiu a coca cola e a plataforma. mas que não vamos explicar. porque na dança - e na arte no geral - não se explica tudo. e todas as narrativas são válidas. por isso permitam-se imaginar.
recorda que o guidance – festival internacional de dança contemporânea faz de guimarães a capital da dança até 10 de fevereiro. consulta aqui o programa.
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